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O Charme Discreto, Sofisticado e Audível do Jazz
Notas breves dirigidas ao trabalho criativo de Carlos Azevedo
O jazz, como todos sabemos, é uma figura com muitos rostos. Quando dele nos aproximamos, torna‑se quase impossível senti‑ lo sem lhe oferecermos uma silhueta humana. O disco que agora nos chega às mãos confirma este dizer e evidencia ‑ eis a boa nova ‑ o recorte fino da figura singular do Carlos Azevedo, enquanto compositor, orquestrador e editor.
Estamos perante uma acção múltipla, uma espécie de quatro‑em‑um, onde um disco é sempre mais do que aquilo que dele ouvimos, e uma demanda dirigida a um objecto jazzístico de quatro faces, beliscado pela riqueza técnico‑composicional e pelo arrojo estético do fazer artesanal e artístico do seu autor.
Importa dizer que este trabalho consiste numa prática apurada de longa distância e bem amadurecida, onde nada escapa ao pormenor, ao detalhe e à minúcia – há quem diga que os demiurgos se manifestam, quase sempre, nos pequenos pormenores – trabalho esse, percorrido historicamente entre 2003 e 2024, e que nos é agora apresentado pelo ânimo da Orquestra Jazz de Matosinhos em fazer memória do gesto inventivo de um dos seus mais hábeis e férteis colaboradores.
Memória e ressonância expressa, como se de uma serigrafia sonora se tratasse, em quatro episódios, ou estilhaços sonoros ‑ “BJO”; “Farol”; “Does It Matter” e “XXL2” – que ilustram muito bem, e fazem encadear ainda melhor os articuladores de sentido que constituem a nuvem criativa donde é oriundo o seu mentor.
Ao aproximarmo‑nos dela, apercebemo‑nos que existem elementos comuns aos episódios e que têm origem no seu charme composicional sofisticado, na delicada atmosfera contemporânea resultante da complexidade harmónica perpetrada, nas criações melódicas intensamente “orelhudas”, e na integração perfeita do espaço/tempo dado às improvisações, lugar esse onde a figura de Chris Cheek ganha protagonismo.
Uma outra sobreposição evidente neste registo, e possível de idear aqui, é a presença notória de um apuro composicional tão fino que só pode advir de um entrelaçamento existencial longo do compositor com o mundo erudito e com o mundo popular, situado entre a sala de espectáculo e o club, matéria essa que nos desafia para um jogo de afinidades electivas dirigidas ao diálogo imprevisível e eterno que Carlos Azevedo acaba por expor na maneira discreta como dá tempo e espaço à interacção – interplay – entre músicos e criação.
Notável é a sua qualidade em encenar sons, audível que fica na riqueza do espectro sonoro celebrado aqui em contexto orquestral. É aí que lhe adivinhamos o miolo selecto das suas memórias, vindas da sua convivência eterna com, entre outros, Gil e Bill Evans, Maria Schneider e até mesmo Debussy.
É daí que resulta o seu charme e sofisticação, assunto que deveria fazer‑nos aceder não apenas ao lado erudito da sua interpretação, mas sobretudo à erótica da sua manifestação sonora contemporânea, se para isso tivermos nós engenho.
Em todo o caso, Carlos Azevedo, assegura‑nos assim que o jazz, afinal de contas, se mantém claramente ilimitado nos seus propósitos.
Maio 2024, Mário Azevedo
Composição e Arranjos
Carlos Azevedo
Direcção Musical
Pedro Guedes
Solista Convidado
Chris Cheek: Saxofone Tenor e Soprano
Madeiras: João Guimarães, João Pedro Brandão, Mário Santos, José Pedro Coelho, Rui Teixeira
Trompetes e Fliscornes: Luís Macedo, Ricardo Formoso, Rogério Ribeiro, Javier Pereiro
Trombones: Daniel Dias, Andreia Santos, Gil Silva, Álvaro Pinto, Gonçalo Dias
Secção Rítmica - Miguel Meirinhos: Piano, André Fernandes: Guitarra, Demian Cabaud: Contrabaixo, Marcos Cavaleiro: Bateria
Gravação e Mistura: Nuno Couto, CARA
Edição: Carlos Azevedo
Masterização: Zé Nando Pimenta, Arda Recorders
Design: Dobra
Fotografia: Miguel Valle de Figueiredo, CCB (capa); Lukas Beck, Wiener Konzerthaus (exterior); Casa da Música (interior)
Texto: Mário Azevedo
Produção: Carlos Azevedo e Pedro Guedes
Produção Executiva: Orquestra Jazz de Matosinhos
CARA 010 · 2024
CD · Digital